Que relação há entre responsabilidade e autonomia?

Alzira Willcox

 

Observo uma grande preocupação dos pais – ensinar responsabilidade aos filhos.
Começo, fazendo uma pergunta: pode-se ensinar responsabilidade de uma hora para outra? Pode-se impor responsabilidade?
Ouso dizer que não. Responsabilidade não se aprende de repente e nem pode ser imposta. Ela deve crescer orientada e dirigida por valores absorvidos principalmente em casa, mas também na sociedade. Fundada em valores positivos, tendo o respeito como alicerce. Respeito pela vida, pelo outro, pelo bem-estar humano. É preciso que assumamos a nossa responsabilidade no mundo, sim. É preciso que estejamos atentos à nossa postura de vida, conscientes da maneira como nos conduzimos em diferentes situações, se assumimos sempre conscientemente as nossas responsabilidades. Se desejarmos que nossos filhos sejam pessoas responsáveis, devemos começar pela nossa postura de vida.
Usualmente, tendemos a considerar o problema da responsabilidade dos nossos filhos, ou mais especificamente a sua ausência, nas evidências mais concretas – o quarto desordenado, a relutância em fazer as tarefas em casa, o atraso à escola e outros compromissos, a não realização dos “deveres” escolares, a desobediência às regras da casa, o mau humor, a má criação.
É importante, antes de entrarmos em guerra declarada, tentarmos levar em conta o processo interno da criança ou adolescente para compreender o porquê das reações às ordens dos pais.
Há alguns aspectos a considerar.
• Os valores que desejamos serem absorvidos não são transmitidos diretamente. Eles são internalizados através da identificação com pessoas que tenham o seu afeto e respeito. Concluímos que o desenvolvimento do sentido de responsabilidade na criança e adolescente está relacionado aos pais e valores paternos, tais como foram expressos no seu jeito de educar.
• A criança que é sempre instruída sobre o que fazer, com poucas oportunidades de fazer escolhas, externar sua opinião, desenvolver padrões pessoais, poderá tomar decisões irresponsáveis, ter atitudes que reflitam irresponsabilidade.
• A criança, como já afirmamos, não nasce com um sentido de responsabilidade e nem o adquire automaticamente a partir de determinada idade. Não há o momento de ser responsável: “agora você está um rapaz ou moça e vai passar a fazer a sua cama quando levantar de manhã”. Não vai surtir efeito, provavelmente porque a responsabilidade tem que ser construída desde cedo.
• A educação para a responsabilidade pode e deve começar bem cedo na vida da criança e será favorecida se deixarmos à criança a possibilidade de opinar e, em determinadas circunstâncias, de decidir sobre alguns assuntos que lhe digam respeito, dependendo da sua idade e do assunto tratado. Sim, há casos em que a criança pode opinar e outros em que pode decidir. Há assuntos, principalmente os que dizem respeito ao seu bem-estar e segurança, que estão inteiramente no âmbito da responsabilidade paterna. Nesse caso, a criança pode até opinar, decidir, não. Um exemplo: uma criança de 6 a 8 anos, menino ou menina, pode decidir se quer ou não cortar o cabelo. Pode opinar sobre o horário em que prefere fazer os deveres de casa.
• É necessário ter uma clara distinção entre os campos de responsabilidade. Em diversas áreas de vivência, à criança pode ser dada a oportunidade de exercitar o seu direito de escolha, preparando-se para assumir responsabilidades. O que não é indicado é que se apresentem várias opções à criança porque a sua maturidade e estrutura não o permitem. Mas os pais podem selecionar a situação e permitir que a criança escolha. Exemplo de opção ampla demais: “que passeio você quer fazer no sábado?”. Em vez dessa pergunta em aberto, diga: “no sábado, você prefere ir ao clube ou à praia?”
• E aí, chegamos a um ponto significativo da questão. Um ponto que provoca embates e desgasta a relação com a criança ou adolescente – os deveres de casa. E sobre isso vamos nos deter mais.
Desde o primeiro dia da escola os pais precisam deixar claro que a responsabilidade sobre os deveres de casa são do aluno. Isto não significa que não se possa dar apoio, ajudar, caso sejam solicitados. Mas quando os pais assumem a responsabilidade pelo dever e a criança se acomoda, certamente tal situação tende a se eternizar. E pode se transformar em tirania, em chantagem e exploração dos pais pela criança. Muitos conflitos poderiam ser evitados se os pais deixassem de tomar a si a tarefa que é da criança e deixassem claro para ela: “o dever é sua responsabilidade e é pra você o que o trabalho é pra nós”. Palavras escoradas por atitudes coerentes.
O principal valor do dever de casa é propiciar à criança um momento por conta própria, um trabalho que ela possa realizar com o mínimo ou nenhuma ajuda alheia. Destaque-se que, se a criança solicita ajuda, ela não deve ser peremptoriamente negada, mas devemos conduzir a situação para que ela encontre o caminho.
Uma atuação direta dos pais, sem respeito ao espaço da criança e suas reais necessidades, estará indiretamente informando que ela é incapaz. A ajuda indireta, todavia é indispensável. Esse tipo de ajuda se traduz no espaço adequado para a criança trabalhar, no isolamento, na oferta de material de pesquisa e talvez o mais importante que é o estabelecimento conjunto do melhor horário e de algumas regras para o melhor aproveitamento da tarefa. E estarem disponíveis a ela, caso sejam solicitados.
Outra situação geradora de conflitos é a falta de limites em que a criança fica à deriva quanto a horários e a importância do dever de casa para ela própria. É indispensável que, desde cedo, ela seja levada a perceber claramente que o dever de casa é responsabilidade dela, é importante para ela e, não, para os pais e/ou professores. E não, não é da escola essa atribuição e nem serão as sanções da escola que permitirão à criança desenvolver a tão almejada noção de responsabilidade.
Muitas crianças capazes se tornam desleixadas e rendem pouco na escola por uma revolta inconsciente às ambições paternas. Quando os pais se envolvem muito, emocionalmente, com os resultados escolares da criança, ela sente a interferência na sua autonomia e passa a delegar aos pais as responsabilidades que seriam suas, bem como o significado dos trabalhos escolares e resultados advindos. Estabelece-se muitas vezes um jogo em que a criança se satisfaz com o insucesso como forma de rebelar-se contra as expectativas paternas.
É claro que a resistência aos estudos e o fracasso escolar são problemas complexos que podem ter as mais diferentes causas e raízes. Levantamos apenas o aspecto da construção da responsabilidade e possíveis caminhos.
Demonstrar à criança que nós somos responsáveis por nossos sucessos e falhas, por nossas escolhas, e permitir que ela desenvolva a autonomia, experimentando-se como um indivíduo com necessidades e objetivos próprios para também fazer suas escolhas ao longo da vida é o caminho para o desenvolvimento do senso de responsabilidade.