POSTO, LOGO EXISTO

Ana Luiza Neves

 

Há tempos venho refletindo sobre o impacto das redes sociais em nossas vidas. Falo nossas porque venho travando autorreflexões em minha mente turbulenta. Venho percebendo o quanto nossas vidas se transformaram com o advento dos smartphones em várias situações e lugares por onde passo ou trabalho, seja no que escuto de meus pacientes no consultório, na escola particular de classe média alta onde trabalho ou no ambulatório público no subúrbio carioca, assim como também na vida cotidiana em grupos de família ou amigos. Percebo que apesar de circunstâncias e contextos diversos, o lugar dos smartphones é claro nas vidas de todos e as mudanças de hábitos que vieram num efeito dominó são inegáveis. Ninguém escapou ao efeito smartphone.
Considero que após o advento do Whatsapp nossas vidas não foram mais as mesmas. Ficamos ininterruptamente atraídos por notificações diversas, condicionados a conferência de mensagens, numa lógica impositiva de responder a todas. A visualização tomou um espaço enorme em nossas vidas e existem questões e códigos que norteiam a lógica das redes sociais.
Curtidas muitas vezes são condicionadas a afetos pessoais, comentários são adubos de equívocos e mal entendidos, seguidores são tomados como índice de aceitação e amor, assim como os conhecidos vácuos na linguagem digital são objetos de interpretações diversas. Quem nunca foi tomado por sentimentos de rejeição, tristeza ou raiva quando um amigo visualizou sua mensagem no Whatsapp e a ignorou solenemente? Quem nunca postou uma frase de efeito ou um pensamento e se sentiu importante ou certeiro por vários likes descolados? Ou, pelo contrário, teve um sabor de fracasso com nenhuma curtida? Quem nunca se sentiu feliz pelos comentários receptivos e carinhosos de amigos naquela foto poderosa de uma viagem? Quem nunca se sentiu impelido a falar com um amigo no Messenger ou no privado do Whatsapp pra tentar esclarecer um possível mal entendido?
Digo mais, quanta mágoa provocada pelos bloqueios de Whatsapp e Facebook, e as mágoas adquiridas a partir de visualizações de posts alheios, tipo minhas amigas saíram e não me convidaram, ou meras espiadas nas histórias do Instagram… Minha filha de 15 anos comenta sobre mal entendidos também no Twitter – bloqueios e re-twitts com indiretas e equívocos mil. É o preço da nova realidade de comunicações instantâneas. Não adiantam argumentos de que as atitudes no Facebook, por exemplo, não interferem na vida real, nos relacionamentos, aproximando ou afastando pessoas. Interferem, sim. E é importante que conversemos sobre isso com os nossos adolescentes, principalmente.
As redes sociais imprimiram um novo código de ética entre os humanos e são um terreno fértil para a dimensão imaginária das relações. Nossas vidas estão muito mais públicas e esse fenômeno tem consequências. Digo isso porque sou uma pessoa muito ligada às redes e venho me questionando sobre tal questão. Penso que cabe sempre uma reflexão sobre o que se fala nas redes, o que se compartilha porque tudo tem consequências, nunca é demais repetir. As nossas postagens são elementos facilmente vulneráveis e passíveis de julgamentos e interpretações mil. Sinceramente, nesse ponto sou bastante desinibida, mas estou consciente que toda e qualquer postagem pode ser um caminho para deixar impressões, verdadeiras ou falsas, e provocar equívocos. Por isso penso que devemos ter cautela e sempre levar em consideração as atitudes reais dos nossos amigos, nas relações virtuais. Digo que as atitudes cotidianas falam muito mais sobre eles do que meras postagens, penso que devemos evitar precipitações e rótulos, apesar de saber que isso é um difícil exercício. Percebo que os likes estão muito atrelados àquelas pessoas que são consideradas amigas de verdade, ou pessoas que são admiradas. Muito interessante o quanto o amor faz curtir quase incondicionalmente.
Às vezes me pego pensando e dando graças a Deus porque na infância da minha filha não existia ainda Whatsapp e o Facebook ainda estava começando. Esse meu pensamento pode ser um tanto nostálgico, mas vejo hoje as criancinhas de 3/4 anos tendo que lidar com pais vidrados no smartphone o tempo todo, numa fase em que precisam tanto da presença e disponibilidade da família, dos adultos que as cercam. Vejo também minha filha adolescente permanentemente com o fone de ouvido, parecendo isolada, nunca escutando de pronto o que dizemos a ela.
Enfim, escrevi esse texto num exercício de autorreflexão e elaboração e espero que ele sirva também para reflexão de quem se dispuser a lê-lo.
Desejo que possamos fazer bom uso das redes sociais, tendo em vista que as relações reais, não digitais, são fundamentais e indispensáveis. Que o bom senso sempre nos acompanhe na vida real e virtual para que nunca percamos de vista a dimensão humana. Não existe mais vida sem redes, então que as redes sejam muito bem usadas em prol do crescimento pessoal e da humanidade em geral.

Ana Luiza Neves é psicóloga, pós-graduada pelo IPUB (UFRJ) e UFF. Trabalha no Instituto GayLussac em Niterói, na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e atende em consultório particular.