Bia Willcox
Em meu cotidiano (chato muitas vezes como todos provavelmente o são em algum momento) me deparo frequentemente com situações que poderiam ser evitadas de uma maneira tão simples, mas tão simples, que chego a duvidar da racionalidade e presteza humana.
As pessoas agem e vivem tão voltadas para o seu umbigo e para suas sensações de bem-estar e prazer mais primitivas, que não se acostumaram, ou seja, não inseriram no seu rol de atos habituais, o exercício de transpor sua muralha pessoal e se colocar no lugar de um terceiro, ou de vários, ou de muitos, envolvidos diretamente na ação que elas vão praticar. Em outras palavras, vejo muitas vezes pessoas agindo com outras, ignorando a obviedade do fato de que elas seriam atingidas diretamente em sua moral, ética, reputação ou mesmo integridade, se estivessem no lugar desses terceiros.
Trago à baila a regra de ouro de Kant. Filosofia? Como assim? Em seu imperativo categórico, Kant dizia:“não farás aos outros aquilo que não queres que te façam”. Por que não?
É pedir demais? É caretice, bondade em excesso, se colocar no lugar do outro antes de agir? Ter empatia, imaginar a dor e a alegria alheia? A regra kantiana é, antes de mais nada, um exercício da sensibilidade. Um antídoto anti-hipocrisia, se é que estou sendo clara. Para os mais religiosos, sempre vale lembrar: Jesus pregava o mesmo, talvez em outras palavras.
Então por que Kant não é lembrado? Por que se age sem qualquer consideração pelo outro? Por que tanta dificuldade em agir da forma como gostaríamos que agissem com a gente?
Essa é a pergunta que me faço sempre. Todos os dias, em algum minuto dele, eu olho pra essa aberração chamada humanidade e tento entender o que há de errado nas atitudes alheias. Por que tantos equívocos, falsidades ou injustiças?
Talvez nunca se desvende tal enigma sociológico (ou antropológico?). Talvez descubramos num futuro próximo que a hipocrisia seja um defeito genético resultante da não total racionalidade humana (ou da não total irracionalidade animal). E mesmo para os não hipócritas, para aqueles mais autênticos, quem sabe se descubra que a sensibilidade para com terceiros (e consequente aplicação da regra de ouro de Kant) seja fruto do meio em que se vive e da orientação familiar dada. Como aquela que faz a gente escovar os dentes mais de uma vez ao dia. Todos os dias. Como deveria ser o uso da regra de Kant. Seria um enorme passo para a educação em geral.
Bia Willcox é advogada, empresária, diretora do Grupo Wowl, professora, jornalista, produtora de conteúdos. Autodidata. Empreendedora.