Creches parentais. Já ouviram falar?

Alzira Willcox

 

Surgiu um movimento entre pais que não desejam matricular os filhos em uma creche tradicional, tampouco têm alguém da família com disponibilidade ou, se têm, não acham a melhor opção e não confiam em babás. Esse movimento é conhecido pelo nome de Creches Parentais. O que seria uma creche parental?
Esse modelo surgiu na França, em meados de 1960, exatamente como no Brasil. Um movimento organizado pelas famílias, em modelo de cooperativa. Lá as creches parentais surgiram por falta de vagas nas creches públicas. Vinte anos depois, o governo francês reconheceu, regulamentou e passou a financiar as creches parentais. Hoje elas são associações registradas no órgão público, local de saúde materno-infantil que têm pediatra, psicólogo, diretora pedagógica e auxiliares treinados. A gestão fica a cargo dos pais que se dividem em tarefas de tesouraria, secretaria e manutenção.
Na Alemanha existe um modelo de cuidado compartilhado que se chama Tagesmutter. Famílias abrem suas casas para cuidar de crianças até 3 anos. Mas é preciso que os interessados em abrir suas casas façam um curso de formação e a casa é inspecionada pelas prefeituras, responsáveis pela fiscalização e organização desse sistema.
No Brasil, o movimento é restrito a grupos de pais e sua organização é um tanto empírica. Tudo se inicia quando os pais optam por não matricular o filho numa creche tradicional. Daí forma-se um grupo para cuidarem uns dos filhos dos outros. Juntam-se e compõem uma creche parental em espaço que pode ser a própria casa deles, em sistema de revezamento, pode ser também um local alugado ou até em salões de festa dos prédios em que moram. É um sistema de cooperativa ou associações de pais, inspirado no sistema francês.
Alguns pais buscam esse modelo por uma questão financeira, já que o preço de uma boa creche é alto. Outros o adotam por questões ideológicas ligadas à educação; esses desejam uma educação mais livre, sem muitas regras e mais envolvimento de pais e mães. Há ainda quem busque uma rede de apoio e trocas, tornando a paternidade e maternidade menos solitárias e mais solidárias pelas trocas e reflexão acerca da educação que desejam para os filhos. E há também os pais que têm boa situação financeira para pagar babás, mas querem que seus filhos, desde bebês, se socializem com outras crianças. As razões são muitas e as dificuldades começam na formação do grupo. Encontrar um grupo de pais com ideias afins, dispostos a compartilhá-las e dispostos também a arregaçarem as mangas e participarem ativamente, revezando-se com outros pais no dia a dia das crianças não é tão fácil. Embora haja vantagens nesse modelo, muitas são aparentes porque exige dedicação e um verdadeiro sentido de comunidade, equidade, justiça e certa humildade para aceitar e acatar as decisões do grupo. Há casos de pais que entraram em um grupo de creche parental e não permaneceram por divergências ou pouca disponibilidade para se doar a todas as crianças do grupo.
Há relatos de mães valorizando o fato de estar mais dentro do processo e com voz e liberdade para opinar. O acesso das mães às creches comuns se restringe a relatórios e lista de cardápio.
Não existe um único formato para as creches parentais porque tudo depende dos grupos e suas demandas. Não existe uma regra única e nem algum regulamento como na França e Alemanha. A orientação é dada de acordo com o que for combinado, acertado entre os pais. Em alguns casos contratam-se profissionais, como cuidadoras ou mediadoras e até professores de música. Ah, algumas seguem preceitos de educadores como Maria de Montessori.
Vamos fazer um exercício de análise. Pais e mães muitas vezes divergem sobre a educação dos filhos. Imagine chegar a um consenso com oito ou mais pais. Então, a configuração livre precisa de algumas regras, não? Princípios pedagógicos, orientações psicológicas começam a ser fazer necessários. E a questão da responsabilidade civil? Quando uma criança sofre um acidente? Ou outros eventos que perpassam as relações de grupo, crianças ou não.
Há quem defenda a participação da comunidade na educação dos filhos que a rotina das grandes metrópoles impede. Impede de olhar o outro com compaixão e solidariedade. Os adeptos veem as creches parentais como um resgate do espírito comunitário presente no passado. E é uma forma de compensar um pouco o momento individualista e institucionalizado que domina o mundo, acrescem os seus apologistas.
Conquanto haja alguns aspectos muito interessantes nesse movimento, há quem alerte para a importância da Educação Infantil. É preciso ter bem claras as diferenças entre Educação Infantil e espaços de convivência – que são, na verdade, essas creches. São propostas distintas com objetivos também distintos. É importante que a educação básica se dê em espaços institucionais, como creches convencionais e escolas de Educação Infantil. Para isso se exige formação específica de profissionais que atuam na Educação Infantil, planejamento e organização adequados, bem como materiais e espaço também específicos e de importância comprovada para o desenvolvimento da criança. Então as Creches Parentais devem ser vistas e entendidas como ação complementar, não substituta da Educação Infantil – essa é a opinião de especialistas em Educação.
Há muito que se discutir ainda sobre essa iniciativa dos pais. Lembro que nas comunidades carentes essa é uma prática antiga – a de deixar um grupo de crianças sob os cuidados e na casa de alguém da comunidade. Sem requintes, sem conotações ideológicas. Simplesmente por necessidade.
Não se discutem os ganhos de tais iniciativas já bastante difundidas no Brasil (várias cidades já contam com Creches Parentais), mas fico pensando em muitos outros aspectos, inclusive a responsabilidade sobre qualquer ocorrência, um tombo mais sério, por exemplo. E o senso de justiça? No meu turno na creche, uma criança morde o meu filho – agirei com isenção e imparcialidade? E se vamos contratar uma equipe pedagógica, como algumas já o fazem, estamos assumindo apenas o comando administrativo e financeiro do grupo. São questionamentos a partir daquilo de que tomamos conhecimento. Mas lembremos que na França e na Alemanha o governo regulamentou e fiscaliza esse tipo de creches, cabendo aos pais a gestão de cada unidade. Aqui no Brasil tudo o que diz respeito à educação é empurrado para depois e fiscalizar não é, de fato, o forte desse nosso país. Há uma recomendação de que a criança seja matriculada numa escola de Educação Infantil aos 4 anos, mas não há efetiva fiscalização até porque não é uma lei. Mas a maioria das creches parentais aceita crianças até 4 anos, respeitando a recomendação do governo.
É muito interessante que se discutam essas iniciativas educacionais como Creches Parentais e Homeschooling. Vivemos uma era de mudanças rápidas, sem tempo de maturação e análise das novas propostas.