Confiar ou controlar – dilemas dos pais

Alzira Willcox

 

Na semana passada foi anunciada a temporada nova de Black Mirror, série produzida pela Netflix.
Para quem não sabe, a série pretende trazer a realidade mesclada com ficção científica, girando em torno dos avanços tecnológicos na área das comunicações, redes sociais e afins.
Assisti a um episódio chamado Arckangel que me gerou uma profunda reflexão. Não, não pretendo dar “spoiler” e estragar o lazer de ninguém, relatando o episódio.
Na história, uma mãe aflita lança mão de um recurso experimental oferecido por uma empresa de alta tecnologia e que seria implantar um chip em sua filha. Através desse chip, com um minicomputador a ele ligado, ela pode monitorar a criança sempre e em diferentes situações porque o chip é para toda a vida. Além de monitorar, a mãe pode intervir para proteger a filha.
Quem um dia não sonhou em controlar os filhos pequenos? Tombos, febres, medo, perigos… Acompanhar os passos dos filhos quando longe de nós, evitar que eles se machuquem e protegê-los, guardá-los – desejo dos pais.
Mas o monitoramento constante seria saudável? Como trabalhar a autonomia das crianças, se as estivermos monitorando todo o tempo? E protegendo-as? E evitando quaisquer ameaças?
Autonomia se alcança com disciplina também, entre outros fatores. A criança e o adolescente só podem desenvolver autonomia tendo domínio das regras. Ou seja, o que podem e o que não podem fazer. O que é certo e o que é errado, as leis da família que nada mais são do que os seus valores e crenças e as leis do mundo, as leis a que todo cidadão está submetido.
E essa autonomia é construída no dia a dia, nos pequenos eventos e nos momentos inesperados também. Desde pequena a criança precisa tomar conhecimento das regras para ter iniciativa, agir e se tornar gradativamente autônoma. Se não lhe dão limites, se não há disciplina, não se pode falar de autonomia que é a capacidade que um indivíduo tem de gerir livremente a sua vida, efetuando racionalmente as próprias escolhas.
Como efetuar escolhas racionais, gerir a própria vida, se há alguém que escolhe por ela, se ela desconhece as regras do jogo, se é posta numa redoma?
Monitorar o filho o tempo todo, além de impedir o seu pleno crescimento, truncar a sua visão de mundo, deve trazer uma angústia inenarrável aos pais.
A angústia é inevitável, mas não precisamos torná-la insuportável. Filhos crescem e saem com os amigos e saem à noite e se expõem muitas vezes e nem sempre nos contam tudo. Mas é preciso que acreditemos que os preparamos bem, que os valores que lhes passamos são mais fortes do que os que vão encontrar lá fora. E isso é um longo trabalho que começa bem cedo e não dá trégua aos pais. Orientar, conversar, avançar, recuar, acertar, errar, ir e voltar atrás, proibir, dar liberdade, rir e chorar. Vigiar, definitivamente não resolve. Monitorar o tempo todo é ainda pior. Estabelecer regras quanto a horários, conhecer os amigos, conversar, ouvir, tudo isso ajuda. Aliás, é o caminho.
Hoje há os celulares. Não vale ligar o tempo todo. Não funciona e pode gerar verdadeiro desespero. Eles podem não ouvir o celular, podem não querer atender, simplesmente. Estão com os amigos. Então, tente fazer tratos. “Quando chegar, me liga, sim?” “Na hora em que estiver voltando pode me avisar?” Combinações podem funcionar melhor.
Não há fórmulas, receitas e muito menos chips que possam facilitar a tarefa de educar. Recomenda-se bom senso e muita conversa, sempre que possível buscando resoluções conjuntas. Sem chips, mesmo que os avanços tecnológicos o ofereçam. Monitorar é loucura. Mantenhamos a nossa sanidade e a dos nossos filhos nesse adorável mundo tecnológico.