AUTORIDADE PERDIDA

Ana Luiza Neves

Observamos nos dias de hoje uma falência múltipla da autoridade tanto no campo social, quanto nas relações pessoais. Em tempos de impunidade, vemos que Lei, no seu sentido mais genuíno, como algo que instaura uma ordem, que regula as relações, está vacilante em todos os campos e esferas.
As crianças atualmente têm se apresentado de forma muito diferente das crianças de 10 ou 15 anos atrás. Um fenômeno muito comum hoje nas escolas é a constatação de que as crianças estão mais agitadas, mais desafiadoras e opositoras. O não reconhecimento dos adultos enquanto autoridades é um fenômeno muito comum nas escolas. Ora, esse reconhecimento não se dá de forma automática e instantânea, longe disso – é um processo necessário para a construção da subjetividade. Nos primeiros anos de vida temos um terreno fértil pra essa construção, mas o que percebemos hoje é que as crianças chegam às escolas sem qualquer indício desse reconhecimento e isso exige um trabalho constante e incansável dos professores. Em contrapartida, percebemos que a criança tomou um lugar central nas famílias, sendo em torno dela que esta se organiza e elege prioridades. Ora, é inegável que um filho tem um lugar muito especial para os pais, mas parece que muitas famílias perderam a noção disso. Esse amor, incondicional e arrebatador, tem ultrapassado limites, e percebo famílias totalmente rendidas às crianças. Uma inversão parece estar acontecendo e as famílias muitas vezes mostram-se fragilizadas e vacilantes perante o egocentrismo infantil. A consequência disso é que a tirania infantil encontra território fértil e se expande.
É muito comum ouvirmos frases de mães pedindo autorização aos filhos pequenos para saírem da escola nos primeiros dias de aula, assim como afirmando que não sabem o que fazer diante de acessos de choro de seus filhos ou aquelas típicas birras infantis. Essas mesmas famílias buscam soluções imediatas e milagrosas para tais situações e impasses com as crianças, parecendo que querem poupar-se de trabalho ou reflexão. Ao mesmo tempo, vivemos uma época de imediatismos, diagnósticos diversos, síndromes que muitas vezes se encaixam nessas manifestações infantis e nem sempre são diagnósticos precisos e ponderados. É necessária muita cautela diante desses fenômenos e hoje existem várias síndromes, transtornos com tratamentos aparentemente milagrosos para tais comportamentos infantis. Muitas vezes os pais procuram especialistas e se prendem a tais diagnósticos, buscando a medicalização precoce. Mas é preciso muito cuidado nesse campo, pois inúmeras vezes o cenário que temos é o da falência da autoridade na família, pura e simplesmente.
Não tem como a família escapar de uma de suas missões. Exercer autoridade, fazer valer leis, valores, combinados. A criança vê em sua família sua base, sua grande referência, seu grande modelo e, se pensarmos numa família insegura e vacilante, temos como consequência crianças agitadas, desorganizadas internamente e inseguras. A escola hoje se vê diante do desafio de sensibilizar as famílias para que exerçam tal função, para que abram seus olhos e assumam suas tarefas de fazer valer as regras de convivência, os valores humanos e noções básicas de cidadania. O caminho é esse, e sem dúvida é um caminho mais trabalhoso e sofrido, porém, seus resultados são duradouros e sólidos, na direção da formação de seres humanos mais dignos e saudáveis. A escola precisa convocar a família para sua tarefa, buscando implicar os pais nesse processo. É um trabalho a ser realizado desde quando a criança é muito pequena, sendo um processo em longo prazo, diante dos impasses que surgem na vida escolar e social. É interessante perceber o quanto a escola exerce uma função que atualmente ultrapassa a transmissão do conhecimento formal e se apresenta como uma instância reguladora das relações e transmissora da Lei, já que é um espaço de convivência e traz para os alunos e suas famílias a vivência da coletividade e todos os seus desdobramentos.
Ana Luiza Neves

Ana Luiza Neves é psicóloga, pós-graduada pelo IPUB (UFRJ) e UFF. Trabalha no Instituto GayLussac em Niterói, na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e atende em consultório particular.