Alzira Willcox de Souza
José Carlos Libâneo (2005) divide em duas correntes a pedagogia: a Pedagogia Liberal e a Pedagogia Progressista. Com isso, ele pretende abranger as principais formas de pensamento em relação aos métodos e formas de ensino. A Pedagogia Liberal seria típica de uma sociedade capitalista que se baseia na propriedade privada dos meios de produção. O autor afirma que a educação brasileira é marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadoras, ora renovadas. Para a Pedagogia Liberal, o indivíduo deve ser formado para desempenhar um papel social, conforme suas aptidões individuais. Todos devem adaptar-se às normas e aos valores vigentes a fim de contribuir com a sociedade em que se encontram. Um problema detectado pelo autor é que “a ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições.” (Libâneo, pg. 6) Nessa tendência tradicional, os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual.
Já a tendência Liberal Renovada “acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação é um processo interno, não externo; ela parte das necessidades e interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente, é parte da própria experiência humana. A escola renovada propõe um ensino que valoriza a autoeducação (o aluno como sujeito do conhecimento), a experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo.” (Libâneo, pg. 7)
Por outro lado, tem-se a Pedagogia Progressista a qual defende, a partir de uma análise crítica das realidades sociais, as finalidades sociopolíticas da educação. Essa corrente de pensamento vem se manifestando em três tendências: libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire, libertária, que reúne os defensores da autogestão pedagógica; crítico-social dos conteúdos que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. “As versões libertadora e libertária têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia de autogestão pedagógica. Em função disso, dão mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participação em discussões, assembleias, votações) do que aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de educação popular “não formal”. A tendência da pedagogia crítico- social de conteúdos propõe uma síntese superadora da pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado.” (Libâneo, págs. 20, 21)
Um problema na formação dos professores que é percebido pelo autor é o de que “os conteúdos dos cursos de licenciatura, ou não incluem o estudo das correntes pedagógicas, ou giram em torno de teorias de aprendizagem e ensino que quase nunca têm correspondência com as situações concretas de sala de aula, não ajudando os professores a formarem um quadro de referência para orientar sua prática.” (Libâneo, pg. 3)
Analisando as propostas pedagógicas citadas por Libâneo, estamos de acordo com a visão do autor, o qual defende como sendo a melhor corrente pedagógica a tendência progressista “crítico-social dos conteúdos”. Dentro dessa visão, a ênfase e a difusão dos conteúdos são essenciais. Porém, o que a difere de outras visões é que os conteúdos aqui são vistos com algo “vivo, concreto” e, assim, indissociável das realidades sociais. O conhecimento que se aprende na escola não pode ser algo abstrato e desligado do cotidiano, mas, sim, um elemento crítico fundamental para vida e formação de um cidadão e de pessoas que venham a ter opinião crítica. Ainda dentro da noção crítico-social dos conteúdos, defende-se a ideia de o aluno buscar o conhecimento como algo autônomo. Assim, os conteúdos seriam um meio, e não um fim em si próprios, para a aquisição do saber.
Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem, então, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber. Relacionam a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos pelo professor, momento em que se dará a ‘ruptura’ em relação à experiência pouco elaborada. (Libâneo, pg. 31) Nessa proposta, o saber que o aluno já possui não é subestimado em detrimento de um conhecimento mais “empírico”. Pelo contrário, deve-se partir da experiência que o aluno já conquistou para poder transmitir-lhe de forma mais concreta os conteúdos. Quando o aluno adquire autonomia de pensamento e sente-se motivado a buscar o conhecimento, ele pode então ter uma participação ativa na busca pela verdade, confrontando-a com os conteúdos expressos pelo professor. Assim, o saber torna-se algo que desperta o interesse do aluno o qual não se sente intimidado e vê que o que aprendeu na escola realmente é útil e aplicável à sua vida prática.
Acreditamos que seriam extremamente válidas discussões acerca da formação de professores e da melhor metodologia. Julgamos que os educadores devem ser peças fundamentais na transformação da escola e agentes capazes de aliar conteúdos à vida cotidiana dos alunos a fim de torná-los pessoas habilitadas a exercer sua plena cidadania.
Mas toda essa discussão perdeu força e razão de ser no momento conturbado da educação no país. Se a educação brasileira sempre foi marcada pela Pedagogia Liberal, hoje há um aprofundamento dessa tendência e as mudanças efetuadas acentuam as diferenças entre a escola pública e a privada, com perdas substanciais para a escola pública. A grande discussão é “escola sem partido” em que a política fica de fora da escola e uma pedagogia crítico-social se torna risível. E, então, já estamos diante de uma distorção da Pedagogia Liberal e diante de um monstrengo educacional.
No âmbito particular, a educação se transformou em alto negócio e atrai gestores formados em administração, economia e afins. Têm propostas afinadas com a modernidade, com a era da comunicação por excelência e estão muito empenhados em uma pedagogia de resultados porque os bons resultados atraem clientes que fazem o negócio florescer.
Então me sinto um tanto inadequada ao provocar uma reflexão sobre pedagogia e métodos num panorama marcado por decisões de mercado. No entanto, pensar, refletir sobre educação sempre vale a pena para que não percamos a possibilidade de analisar criticamente os rumos do país e buscar o aperfeiçoamento pessoal possível.