A responsabilidade da família e da escola pautadas na atual realidade escolar

As atuais exigências educacionais provocam a necessidade de  repensar  sobre  as  questões   envolvendo o processo educativo e que levam, na maioria das vezes, ao fracasso e insucesso escolar do aluno, por vezes induzindo à marginalização social.  Ao acompanhar atentamente as pesquisas e os progressos das pesquisas e estudos sobre a aprendizagem humana e as relações que se estabelecem em diferentes âmbitos de interpretação, numa abordagem mais integrada, como fatores psicológicos, pedagógicos, socioculturais, biológicos, antropológicos, a plasticidade da capacidade de aprendizagem dos seres humanos, revela que todos podem aprender desde que lhes sejam dadas as condições necessárias para isso. Acreditamos que todos têm um potencial para a aprendizagem porque são da mesma espécie, porque têm pensamento reflexivo e funções cognitivas necessárias para transformar criativamente a realidade.

Nesse contexto encontramos as instituições que são responsáveis pelo desenvolvimento sistematizado da aprendizagem e que funcionam desde a mais tenra idade: os berçários que atendem os bebês desde 2 meses de idade, as Creches e Educação Infantil que, a partir de dois anos em diante, preparam para ingressar no Ensino Fundamental que recebe crianças a partir dos seis anos de idade e, fechando o ciclo do Ensino Básico, vem o Ensino Médio, que prepara os alunos para ingresso nas universidades. As instituições se responsabilizam  por todo o processo de desenvolvimento do sujeito, seja nas instituições públicas ou nas particulares, atualmente em horário integral. Então, são necessários profissionais que se preparem para tal função, atendendo às necessidades das diferentes  etapas  de vida, do desenvolvimento psicossocial e cognitivo de cada um deles.

É nesse cenário que situamos o momento atual das famílias, ao compartilhar com terceiros o desenvolvimento e a aprendizagem de seus filhos. Ressaltamos, por essa questão, a importância que assume a relação  entre família e escola, que poderá favorecer, em uma relação produtiva,  o desenvolvimento integral do educando, não só do ponto de vista da aquisição dos conteúdos, mas também do  seu desenvolvimento biopsicossocial.

Vamos construir nosso pensamento trazendo, em etapas, vários aspectos que irão influenciar a construção do conhecimento do sujeito e a aplicabilidade na sua vida. Caminhando por essa via, nos perguntamos:  Como acontecem as primeiras aprendizagens nas relações que vão sendo estabelecidas, ampliadas e contextualizadas tanto na escola como no processo de aprendizagem da família? Quais os desafios que se vão sucedendo na escolaridade do aluno? Como a família se depara com os mesmos desafios, acrescidos do processo de autonomia e individuação que se delineia, e a deixa, por vezes, incompetente para lidar com essa situação?

Tanto a escola como a família são pautadas por critérios e leis, em uma abrangência maior.  A Declaração dos Direitos Humanos, no artigo 26,  nos fala sobre o direito inerente e intrínseco da educação do ser humano,  a vida humana. Sem educação o homem passa a ser um ser alienado de seus próprios direitos como ser, como cidadão. Assim se expressa: “A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos”.

É neste espaço transicional “entre” objetividade e subjetividade, que  se pode pensar a necessidade de os países globalizados cooperarem entre si na busca de soluções para problemas comuns, desenvolvendo uma ética mais solidária, a necessidade de respeitar as diferenças, da aprendizagem continuada para a produção de conhecimentos que irão redundar em desenvolvimento tecnológico.

Voltada para esse pensamento a Constituição Brasileira vem reforçando essa ideia, tornando-o parte da Lei Magna do Brasil ao confirmar a educação como obrigatoriedade para a família e para o Estado, pois preconiza a Educação “como um direito de todos e dever do estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Não só a família fica responsável pelo desenvolvimento, mas a escola também tem o papel que é o de atuar na formação de um ser participante e ativo e precisa se orientar  através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que destaca, no seu art.1º, “ a importância dos processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Ótimo. Em muitos lugares funciona, mas vamos tentar desmistificar e cair na real, como podemos verificar diante do nosso cotidiano.

Vivi situações maravilhosas durante todo o percurso em que trabalhei na educação, mas também vivi situações delicadas, com determinadas famílias, não só na escola que coordenei, como no consultório onde atendo crianças que permanecem centradas em sua maneira de ser, na maioria das vezes se distanciando do contexto escolar do qual fazem parte. Quando pequenos, a reação à aprendizagem sistemática da leitura e da escrita, momento em que os adultos passam a vê-los apenas como alunos e, se não se dão bem nesse processo, são fadados ao insucesso para o resto da vida. Quando maiores, não conseguem participar das aulas, confundem o emocional com o cognitivo, ou seja, “não gosto desse professor, então não consigo estudar a matéria que ele dá em aula”, o que os paralisa diante da necessária atenção e acompanhamento do desenvolvimento da aula, tarefas, leituras, pesquisas, resumos, testes, avaliações. O processo pedagógico não faz o menor sentido e a escola passa a ser resumida nas notas que recebe. Ao serem questionados dizem: “Tenho que estudar, e prestar  atenção!!!!!” – sem envolvimento e apropriação da situação. E não conseguem passar disso. Novos conteúdos vão acontecendo, os resultados continuam insuficientes, com efeito cumulativo. Passam por todas as oportunidades que a escola hoje oferece: recuperações, novos testes, dependências, em algumas escolas, reclassificações, e o aluno cada vez mais distante. Os pais se desesperam, mas paralisam também, até se identificando com os mesmos, e não aceitam, na maioria das vezes, o compartilhamento das situações para que seja possível encontrar caminhos que possibilitem a descentração e, consequentemente, amadurecimento para dar conta das exigências escolares. Pronto. A situação está formada. Inquieta-se nas aulas, conversa com os colegas todo o tempo e com a nota cada vez mais baixa, perde a autoconfiança e desiste de tentar mudar esse  padrão estabelecido.  Com baixa autoestima, perde a disposição para aproveitar chances e arriscar fracassos futuros. Essas são as crianças que desaparecem nos cantos ou se viciam em televisão, Internet, nas  redes sociais, nos play stations. Dormem pouco, se alimentam mal, difíceis de dar a virada.

A escola cansa. Os professores desistem. A família não sabe o que fazer. O aluno às vezes muda até de escola e o problema continua.

Como nos diz CHRAIM (2009), “é na base familiar que a criança começa a construir sua real identidade, que será formada a partir das experiências e da forma como aprendeu a lidar com as informações que recebe”.   Assim, a família participa e se torna o ponto positivo no processo de aprendizagem de seus filhos. E é da parceria escola/família em que cada instituição com suas propriedades específicas visa ao bem comum, que pode vir o apoio a esse menino/a que não consegue superar suas frustrações diante do processo ensino-aprendizagem que o/a sufoca.

Hoje, desde muito cedo, a tríade familiar é composta pela família/ escola e pela criança, não mais pai/ mãe e filho. A escola precisa compreender, a família precisa compreender que a criança vai receber valores diversificados tanto da escola, como dos colegas e da família, esses sim, mais claros e que possam oferecer a ele, motivos para se fortalecer, para obter recursos para os enfrentamentos e posicionamentos necessários, desde os seus primeiros passos, seja na vida escolar, na vida familiar ou na sociedade, mais amplamente.

Em minha vida, muitos momentos importantes e marcantes aconteceram, mas fico renovada quando, diante de um menino nervoso, agitado, ou apático, começo a perceber sinais de que ele vai se descobrindo, vai mostrando alegria nas pequenas conquistas que realiza diante dos grandes desafios que lhe são impostos.

A obrigatoriedade nas leis, e a contradição das mesmas na vivência das famílias perante essas obrigações e, nas diferentes escolas, em que os alunos necessitam adaptar-se ao seu estilo de funcionamento, observo o quanto ainda está distante esse momento de integração família-escola, instituições que necessitam ter bases sólidas para dar espaço às gerações que serão a continuidade, de preferência com renovação dos sistemas ali impostos.

Em relação às primeiras aprendizagens, fontes de base para as aprendizagens vindouras, observamos o contraste que se manifesta na família em relação às quedas que fortalecem os novos impulsos de desenvolvimento, diante dos primeiros passos a serem dados pela criança, e quando ela alcança idade escolar e surgem as primeiras dificuldades.  Na maioria das vezes, rigorosamente criticadas e repudiadas por não conseguirem corresponder às propostas escolares. E isso acontece desde a educação infantil!

Que os erros educacionais sejam molas propulsoras para mudanças e compreensão de como cada um pode entender determinada situação e ser esclarecido com novos dados para a riqueza do diálogo e comunicação.

Quero concluir com um novo princípio, um novo olhar psicopedagógico para o problema de ensino e aprendizagem e me pergunto como Clarissa Pinkola Estès, em seu livro “O jardineiro que tinha fé”:

Qual esse processo do espírito e da semente, cheio de fé, que toca o solo nu e o torna rico de novo? Não tenho a resposta completa. Só sei o seguinte: aquilo a que dedicamos nossos dias pode ser o mínimo do que fazemos, se não compreendermos também que algo espera que a gente abra espaço para ele, algo que paira perto de nós, algo que ama, e que espera que o terreno certo seja preparado para que ele possa se revelar.

 

Iandara David dos Santos

Pedagoga / Psicopedagoga

Terapeuta familiar Sistêmica

Em 22/08/2016