Ana Luiza Neves
Vivemos num mundo que busca a felicidade a qualquer preço. São tempos da felicidade estampada nas redes sociais a todo o momento. A praticidade do século XXI trouxe junto com ela consequências para as relações sociais e pessoais.
Parece que a felicidade e o sucesso se configuram como grandes alvos a serem alcançados e perseguidos. E as crianças, nascidas em meio a esse panorama cultural, sofrem lá seus efeitos.
O narcisismo paira no ar e recai sobre as crianças também. Freud afirmava desde 1914 que o narcisismo da criança se funda a partir do narcisismo dos pais. É absolutamente natural e previsível que as famílias projetem seus desejos e anseios em seus filhos. Eu diria que é, além disso, necessário. Porém, vivemos tempos nos quais esse narcisismo se manifesta de forma avassaladora. Podemos testemunhar toda a projeção em torno da criança – o que abrange seu nome, suas roupas, sua alimentação, as atividades que desempenha e inclusive seu futuro caminho profissional. Desejar e proporcionar o melhor para seus filhos é atitude digna e previsível por parte da família. Porém, gostaria de chamar a atenção para um exagero que venho percebendo por parte de numerosas famílias.
O ideal do filho bem sucedido e feliz se instaurou no inconsciente coletivo. Vejo pais numa busca ansiosa e perfeccionista por acertar. Acertar no desmame, no desfralde, na retirada da chupeta, na chegada de um irmão, nos impasses cotidianos, procurando caminhos retos e perfeitos. As palavras de ordem são amenizar, poupar, acertar, ou seja, buscar algo que seja ideal, que não cause sofrimento e que toda e qualquer angústia seja aplacada. Ora, sinto- lhes dizer que na vida real isso não é possível. Ao lidar com esse universo, percebo que esbarramos o tempo todo com a imperfeição, desencontros, impasses, decepções e contratempos.
Porém, isso não quer dizer que vamos deixar as crianças sem alento, oferecer-lhes frustrações, decepções e dificuldades diversas. A vida se encarregará de trazer essas experiências naturalmente e nós, adultos, seja qual for a função que estejamos operando, devemos estar ali, ao lado dos pequenos, para mediar situações, transmitir tranquilidade e experiência. É claro que as atitudes dos adultos vão ser diferentes de acordo com as vivências de cada um. Atualmente, tenho visto adultos muito despreparados para tal função, ainda muito imaturos, com dificuldades para lidar com suas próprias frustrações, tratando de seus anseios como se tivessem que ser necessariamente aceitos e realizados. Existe uma busca por soluções mágicas, instantâneas e indolores para todo e qualquer sofrimento. Existem categorias diagnósticas diversas para classificar, justificar e às vezes precipitadamente medicar a infância. Acredito que nesse campo não existem fórmulas, nem soluções rápidas. Acredito que as crianças convocam os adultos para olharem para suas infâncias e buscarem saídas diante das dificuldades. O caminho consistente é o da implicação e do comprometimento, sempre buscando parcerias, seja com os profissionais da escola, seja com outros olhares.
Fato é que as famílias estão fragilizadas e estremecidas. Nunca se viu tantas questões familiares tratadas no Judiciário. Há uma dificuldade nas negociações de conflitos entre os humanos e a Justiça tem sido muito sobrecarregada com questões do âmbito pessoal e íntimo. Aí se faz necessária a atuação de uma lei maior para solucionar tais conflitos, o que sinaliza que as leis que regulam as relações humanas estão frágeis e vacilantes. Os conflitos de interesses entre as pessoas existem, as diferenças sempre surgirão e as perdas e frustrações são inevitáveis.
São os impasses, conflitos e diferenças que dão movimento à vida, que fazem desta uma aventura mais emocionante e desafiadora, onde colecionamos momentos e sensações variadas. Assim, quando se projeta numa criança seu futuro, seu sucesso profissional, muitos acontecimentos se darão nesse intervalo de tempo, e são exatamente os contratempos, os desencontros, as crises, que farão dessa aventura algo enriquecedor para todos os envolvidos.
A chegada de um filho e seu crescimento com o passar dos anos é uma sucessão de desafios e as famílias precisam ser renovadas na coragem dessa aventura, às vezes cheia de altos e baixos. Aventura que hoje necessita de bom senso e equilíbrio entre desejos e anseios, reflexão permanente diante dos apelos de consumo e nichos de mercado, proporcionando o melhor para as crianças, mas sempre respeitando suas individualidades e dando-lhes espaço para fazerem suas escolhas com responsabilidade. Educar hoje é desafio constante de sabedoria e cuidado, é investir num caminho autoral com todas as suas mazelas, mas, com certeza, se apropriar dessa tarefa e não a terceirizar é o caminho mais consistente. Mãos a obra!
Ana Luiza Neves é psicóloga, pós-graduada pelo IPUB (UFRJ) e UFF. Trabalha no Instituto GayLussac em Niterói, na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e atende em consultório particular.