Alzira Willcox
Ontem foi Dia dos Pais e as redes sociais se enfeitaram de fotos dos pais, velhos e moços, vivos ou mortos em homenagens e reverência a eles no panorama familiar e social.
Vamos falar um pouco da função paterna, pegando alguns princípios da psicanálise, para começar.
Tanto a função paterna, como materna, tem um papel bem definido e central no desenvolvimento e estruturação do psiquismo da criança e consequente formação da personalidade do adulto. E o exercício da função paterna pressupõe mais do que a simples presença do pai na relação com o bebê. Vai além e é de grande importância na dinâmica familiar e no desenvolvimento emocional e mental dos filhos. Mesmo considerando o protagonismo da mãe no início da vida do bebê, é importante que ela facilite a entrada do pai no relacionamento que se inicia com recém-nascido. Impedir ou dificultar esse relacionamento pode gerar consequências negativas para o desenvolvimento infantil, com reflexos na adolescência e obviamente na idade adulta. Quando o homem não assume plenamente a função paterna, desencadeia também consequências negativas para a evolução da própria sociedade.
O papel do pai na sociedade vem sofrendo transformações, principalmente nas últimas décadas. A condição de pai evoluiu e continua evoluindo porque a sociedade sofre mudanças culturais, sociais e familiares. Não há mais lugar para o pai, provedor único, “dono” da vida dos filhos e da mulher quase sem direitos. No passado, nem tão longínquo assim, a cultura patriarcal reservava ao pai um lugar acima da trama doméstica que era constituída apenas pela mulher e pelos filhos. O pai era aquela figura que representava o poder, que tinha sempre a última e definitiva palavra e cujas decisões eram inquestionáveis. E a mãe lançava mão desse poder, ameaçando “você vai ver quando seu pai chegar”. Ao mesmo tempo, essa mãe reforçava o seu papel subserviente. Mas essa situação vem-se modificando progressivamente. A mudança exige assimilação da nova configuração familiar, um processo que introduziu a mulher no mercado de trabalho e determinou mudanças significativas de hábitos, embora o ritmo da transformação de valores seja mais lento. Mudou a hierarquia doméstica na nova configuração familiar. Houve uma ruptura e essa ruptura trouxe em seu bojo um constante questionamento da autoridade na família. Mas tal ruptura não pode deixar um vazio afetivo, muito menos um vazio de autoridade.
Apesar da alteração na “ordem” familiar, a função paterna continua reconhecidamente importante, e a Psicanálise destaca essa importância. O papel do pai no desenvolvimento da criança é ainda incontestável, sendo que a interação entre pai e filho é um fator decisivo para o desenvolvimento cognitivo e social que vai facilitar a aprendizagem e integração da criança no aspecto social.
Mas não sou psicóloga e não vou trilhar o difícil caminho indicado pelos estudos de Freud e de Lacan. Não discutirei o papel do pai a partir da instauração do processo de Édipo e como o sujeito se constrói e sai do estado de natureza para ingressar na cultura. Esse é uma tarefa para psicanalistas.
Quero falar sobre autoridade. A mudança de configuração familiar não significa que, perdido o modelo antigo, perdeu-se a autoridade. A mudança estabeleceu uma divisão mais equânime de tarefas, pede a participação de ambos nos afazeres domésticos e na educação dos filhos. Conquanto o pai, na visão psicanalítica, represente a lei/autoridade e não possa fugir desse papel regulador, há uma clara e significativa mudança que delega também à mulher essa função, dependendo das circunstâncias. Então há que haver entendimento e concordância nas diretrizes básicas da educação da criança para que não se perca a autoridade que um delega ao outro e ninguém assume. É resolução conjunta o que se requer. Nem autoritarismo, nem permissividade. Falo de autoridade que emana da firmeza de atitudes, da palavra certa, das decisões do casal em acordo, mesmo que não vivam juntos.
O que não é desejável é que o pai abra mão da função paterna de autoridade para assumir o lugar de amigo ou, por comodismo, prefira omitir-se. E delegar à criança o poder de decisão sem conseguir dizer “não”. Ou que a mãe assuma a antiga atitude de ameaçar a criança com um “seu pai vai saber”, abrindo mão do seu papel de educar e criando uma barreira invisível entre o pai e os filhos.
Teorias ajudam a enxergar as relações, a constituição da família, mas o dia a dia exige atitudes rápidas e decisões imediatas. E, sobretudo, resoluções conjuntas em matérias que tocam valores basilares da educação. Só que decisões de momento não podem esperar e devem ser tomadas por quem está com a criança, quem tem o papel de liderar. Não dá para delegar ao outro o seu papel, não dá para mudar o mundo em função do seu filho. Não é concebível que se espere da escola atitudes que visam a encobrir a sua fraqueza de autoridade. Educar cabe aos pais – escola e professores são coadjuvantes na tarefa de educar. Quando a mãe pede à escola que proíba a presença do pipoqueiro em frente ao portão de saída, ela está dizendo que não tem nenhuma autoridade sobre seu filho. Mal comparando, volto mais uma vez àquela mãe que diz “vou contar ao seu pai”.
Autoridade é necessária, a criança pede isso. Nada de compensações, culpas e permissividade. Muitas vezes a criança desafia os pais para obter um “não” que talvez ela acredite ser uma forma de interesse, amor e participação em sua vida. Aprender a dizer não, um não construtivo, é necessário e urgente.