Percebo que muitas mães se sentem culpadas ao negar pedidos de seus filhos. Para poupá-los de frustrações, essas proporcionam o que podem e o que não podem. Crianças aos 3 anos de idade ditam o que irão comer, aos 5 decidem a hora que vão dormir, e aos 9 já não suportam não ter um celular.
Falas como “Eu coloco biscoito na lancheira porque é a única coisa que ele aceita comer.”, ou “Não adianta dizer não, que ele chora até conseguir.” chegam frequentemente ao meu consultório. A cada dia mais, os pais estão cedendo às ordens de seus filhos, desconhecendo a incapacidade das crianças de escolher o rumo de sua própria vida.
Minha intenção aqui não é pregar a ideia de que devemos transformar nossas casas em um exército ou de virarmos ditadores. Porém, acredito ser importante estabelecer regras, e acho válido lançar um argumento muito conhecido dentro da psicologia de que crianças precisam de limites para se estruturar. É dando contorno que constituímos o nosso ser. A noção de quais são os limites de nosso corpo nos permite entender o que é “meu” e o que é “do outro”, ou externo a mim.
Parece um conceito banal e inerente à condição humana. Porém, em meu trabalho, percebi que, em algumas famílias muito fusionadas, havia um lapso na formação do limite. O que a sociedade vê como uma infração, algumas vezes, não tem a mesma conotação para o transgressor. Entendo que quando não há clareza do que é meu e do que é do outro, tudo passa a ser nosso, e, portanto, passa a não ter dono.
Algumas circunstâncias na vida favorecem esta dificuldade. Muitas vezes, até mesmo por motivos financeiros, dividimos quarto com algum familiar. Não tenho a menor dúvida de que, diante de alguns cenários, precisamos ceder a esta organização. Porém, julgo ser de suma importância, até mesmo quando dispomos de apenas um ambiente, mantermos nossa individualidade. As roupas devem ser divididas, nomeadas, e guardadas cada uma no lugar de seu dono.
Claro que uma irmã pode, por exemplo, emprestar roupa para a outra. Mas deve ficar claro que houve um empréstimo, e que os cuidados devem ser realizados como tal. Desta forma, mesmo imersa em um lugar comum a duas pessoas, conseguimos definir o que é de cada um, e assim construir e manter a individualidade. Sem este nível de distinção, não conseguimos saber nem se somos bagunceiros ou organizados.
É dizendo não a nossos filhos que estamos ensinando a eles uma grande ferramenta chamada limite. É ela que usamos para não comer além da conta, ou menos do que precisamos. Aprendemos o que nos é suficiente. Também precisamos de limite para saber a hora de parar: quando trabalhamos demais, nos exercitamos demais, ou até ajudamos demais.
Por isso, voto a favor de suspendermos essa culpa que sentimos ao dizer não para alguém. Ao invés de pessoas castradoras, sugiro que nos sintamos generosas, já que estamos oferecendo o que há de mais cuidadoso em nós, que é nossa proteção. Dando limite, eu te protejo de cometer excessos.
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Helena Cardoso
Helena Cardoso é psicóloga, formada pela PUC-Rio, com especialização em Terapia Familiar Sistêmica Breve e Entrevista Motivacional. É supervisora clínica na instituição Núcleo-Pesquisas, e faz atendimentos individuais, de família e casal em seu consultório. Contribui com textos para o site Disney Babble Brasil. É também sócia fundadora do Véspera, projeto que atua no preparo emocional de noivos para a vida a dois. Esse artigo já foi publicado no site que administra: www.saladeideias.com.br