Os pais preocupam-se em ensinar responsabilidade aos filhos.
A responsabilidade não pode ser imposta. Ela deve crescer do íntimo, alimentada e dirigida por valores absorvidos em casa e na sociedade. Deve ser fundada em valores positivos e é preciso vê-la em seu aspecto mais amplo: o respeito.
Respeito pela liberdade, pela busca da felicidade e, acima de tudo pela vida e pelo seu maior significado: o bem-estar humano.
Desejamos que nossos filhos sejam pessoas responsáveis e almejamos mais que sua responsabilidade emane dos valores mais altos da vida social. Então, devemos estar atentos à nossa postura de vida, conscientes de que a maneira pela qual nos conduzimos nas diferentes situações que surgem, será a mais eloquente forma de trabalharmos a responsabilidade nas crianças.
Usualmente tendemos a considerar o problema da responsabilidade ou sua ausência, em termos mais concretos: no quarto desordenado de nosso filho, na chegada com atraso à escola, na não realização dos deveres escolares, na desobediência mal-humorada, na má criação.
Temos que levar em conta todo o processo interno da criança, para compreendermos o porquê de suas reações às nossas ordens.
É importante que a criança absorva certos valores, mas é preciso também ter consciência de que tais valores não podem ser transmitidos diretamente. Eles são absorvidos e se tornam parte da criança, somente através de sua identificação com pessoas que tenham ganho o seu amor e respeito. Deste modo, o problema da responsabilidade nas crianças será relacionado com os pais, ou mais precisamente, com os valores paternos, tal como foram expressos nos seus métodos de educá-las.
Reflitamos sobre um aspecto de extrema importância no contexto: a criança que é sempre instruída sobre o que fazer, e por essa razão tem poucas oportunidades de externar sua opinião, fazer escolhas e desenvolver padrões pessoais, poderá tomar decisões irresponsáveis, apesar de ter hábitos de polidez, organização e asseio.
As crianças não nascem com um sentido de responsabilidade desenvolvido e nem o adquirem automaticamente a partir de uma determinada idade. A responsabilidade vem devagar e através de muitos e longos anos. Requer prática diária no exercício de julgamento e na escolha dos assuntos apropriados a cada idade e capacidade de compreensão.
A educação para a responsabilidade pode começar muito cedo na vida da criança. É favorecida se deixarmos às crianças a capacidade de opinar e, em determinados casos, de decidir sobre assuntos que lhes digam respeito. Uma distinção deliberada é feita aqui entre opinião e decisão. Há assuntos que estão inteiramente dentro do campo de responsabilidade da criança. Em tais matérias, ela deveria ter o direito de escolher. Há, entretanto, outros assuntos, principalmente os que dizem respeito ao seu bem-estar, que estão no âmbito de nossa responsabilidade. Nestes casos, ela pode opinar, mas não decidir.
O que é necessário é uma clara distinção entre estes dois campos de responsabilidade. Em diversas áreas de vivência, a criança tem oportunidade de exercitar o seu direito de escolha, preparando-se para assumir responsabilidades. O que não se pode, porque as estruturas das crianças não o permitem, é abrir um leque muito grande de opções. Os pais selecionam as situações e a criança faz a escolha.
Em vez de perguntar a um menino pequeno “O que você quer para café?” perguntaria: “Você quer sua vitamina quente ou fria?”
Analisemos um momento significativo, com a entrada da tarefa formal e sistematizada que cabe à criança: os deveres de casa.
Desde o primeiro ano de escola, a atitude dos país deve dar a entender que os deveres de casa são da responsabilidade exclusiva do aluno o que não significa que não se possa ajudar caso seja solicitado. Mas quando um pai assume a responsabilidade pelo dever, e a criança o permite, aquele nunca mais se liberta de tal situação. O dever pode, então, tornar-se uma arma nas mãos dos filhos para punir, chantagear e explorar os pais. Muitos conflitos poderiam ser evitados, se os pais demonstrassem menos interesse nos pequenos detalhes dos exercícios da criança e se preocupassem em pontuar que “o dever é da sua responsabilidade e é para você o que o trabalho é para nós.”
O principal valor do dever é propiciar às crianças experiência de trabalho por conta própria, um trabalho que ela seja capaz de executar com o mínimo de ajuda alheia.
É preciso destacar, no entanto, que, se a criança solicita ajuda, essa ajuda não deve ser negada, embora devamos conduzir a situação de forma a que a criança, ela própria, encontre o caminho. Mas não delegar à escola o papel de orientar que cabe aos pais.
Uma atuação direta dos pais, sem respeito ao espaço da criança ou às suas reais necessidades, estará informando à criança que sozinha ela é incapaz. Todavia, a ajuda indireta é indispensável. Esse tipo de ajuda se traduz no espaço adequado para o trabalho de casa (isolamento, livros de referência, mesa, iluminação), no estabelecimento conjunto da melhor hora para realização dos deveres e na disponibilidade possível.
Algumas crianças gostam de estar perto de um adulto enquanto trabalham nas suas obrigações. Por que não as deixar próximas ao local onde os pais estão trabalhando? É uma questão de estar disponível…
Nos tempos modernos as crianças têm muitas atividades – balé, judô, natação – e o tempo que lhes sobra para simplesmente brincar é pequeno. De repente, tal compulsão gera conflitos em relação às tarefas escolares. São tantas as ocupações e responsabilidades que a criança se vê incapaz de corresponder a todas elas. Por outro lado, pais também sobrecarregados não conseguem evitar e administrar os conflitos.
Outra situação geradora de conflitos é a falta de um limite onde a criança seja levada a perceber claramente a importância dos deveres de casa, para ela própria, e, não, para os pais ou professores. Voltamos, aí, ao problema da seleção de opções e ao campo de responsabilidade da criança.
Não serão as sanções da escola que permitirão à criança desenvolver mais claramente a noção de responsabilidade.
Muitas crianças capazes desleixam com seus trabalhos e rendem pouco na escola por uma revolta inconsciente contra as ambições de seus pais. Para crescer e amadurecer, cada criança precisa conseguir um senso de responsabilidade calcado na individualidade. Quando os pais se envolvem muito emocionalmente com os resultados escolares da criança, esta sofre interferência na sua autonomia. Ela passa a delegar aos pais as responsabilidades que seriam suas, bem como o significado dos trabalhos escolares e dos resultados que deles advêm. Estabelece-se, então, um jogo, onde a busca da individualidade pode levar a criança a falhar e a se satisfazer com o insucesso como forma inconsciente de rebelar-se contra a expectativa ou mesmo as atitudes paternas.
É claro que a resistência aos estudos não é problema simples que pode ser resolvido sendo-se rígido ou complacente com as crianças. O aumento de pressão pode aumentar a resistência da criança, enquanto uma atitude de “laissez-faire” pode levá-la à aceitação da imaturidade e da irresponsabilidade. A solução não é fácil, nem rápida. A discussão em vez de girar em torno de ESCOLA X FAMILIA, para apontar o responsável, deve converter-se em integração ESCOLA/FAMÍLIA, para auxiliar a criança a equilibrar suas relações e internalizar a satisfação com o sucesso.
Finalmente, mostrar à criança que ela é um indivíduo em seu próprio direito – à parte de nós – responsável por seus sucessos e falhas é um caminho. Quando se permite a uma criança experimentar-se a si mesma como um indivíduo com necessidades e objetivos automotivados, ela começa a assumir a responsabilidade pela sua própria vida e suas exigências, com os ganhos e as perdas que se impõem a partir de suas atitudes.
Lembramos que um bom pai, como um bom professor, é alguém que se torna gradativamente e dispensável às crianças.
Alzira Willcox