Rita Melo
Nos tempos atuais, pais e profissionais utilizam estímulos eletrônicos como ferramenta de fortalecimento do intelecto. E não se pode negar que as crianças da atualidade se mostram extremamente sagazes, com amplo vocabulário e antecipação de diversos raciocínios e compreensão de conceitos que só poderiam ser observados em idade mais tardia.
No entanto, há que se refletir seriamente sobre essa questão.
O psiquiatra e psicoterapeuta Augusto Cury, em seu livro “Ansiedade – Como enfrentar o mal do século”, escreve sobre a Síndrome do Pensamento Acelerado. Nesse texto, ele destaca os efeitos nocivos dos eletrônicos, bem como do excesso de informações, atividades, cobranças e preocupações. Esses elementos associados são apontados como produtores de agitação corporal e mental, responsáveis pelo aumento de ansiedade e irritabilidade, pelo baixo limiar para suportar frustrações, produzem saturação da memória e interferem na possibilidade de focar e sustentar a atenção .
O sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman também trouxe uma reflexão importante sobre os prejuízos dos eletrônicos na atenção e na memória, no evento Educação 360, que aconteceu no Rio em 2015. Nas escolas, esse efeito é visível.
Por mais progressistas que sejam nas suas propostas pedagógicas, professores têm tido cada vez maior dificuldade para fazer com que os seus alunos se concentrem em um “papo” na rodinha ou para participar de atividades que exijam maior controle do corpo e tempo mais longo de concentração, dentro do esperado para a faixa etária.
Oftalmologistas alertam também sobre prejuízos para a visão, como a síndrome da vista cansada. A fadiga visual decorrente da fixação nas telas dos aparelhos eletrônicos compromete a qualidade da visão. Neurocientistas alertam para os prejuízos à qualidade do sono causados pelo uso de tablets, celulares e computadores. Quanto mais tempo em frente a aparelhos eletrônicos, maior a perturbação e menor a duração do sono, devido ao estado de alerta produzido pela tela iluminada que interfere no relógio biológico e na produção de melatonina, hormônio que regula o sono.
Urge que profissionais das áreas de educação e saúde aprofundem seus estudos nessa temática e que possamos trilhar novos caminhos na orientação do uso de eletrônicos por crianças e adolescentes.
E o que dizer dos grupos de whatsapp? Criados para estreitar relações e facilitar o encaminhamento e a resolução de problemas, se tornam instrumentos que criam dependência, exposição excessiva e diversos casos de exclusão ou de ataque a pessoas e instituições, muitas vezes fundamentados em informações falsas ou mal interpretadas. O excesso de compartilhamentos das vivências individuais tem gerado ansiedade, comparações, críticas, perda do bom senso e da autonomia de pensamento. Várias situações relatadas fora de contexto ganham maior intensidade a partir de comentários de grupos, gerando um alarde desnecessário e contraproducente.
Os eletrônicos vieram para somar e, sem dúvida, sua utilização de forma saudável traz inúmeros benefícios e vantagens. Ninguém tem dúvida disso e muito menos se coloca em oposição ao avanço tecnológico ou nega os ganhos que trouxeram à educação. Mas é fundamental trazer à tona a reflexão sobre o abuso (uso excessivo) e a aplicação que está sendo dada aos eletrônicos no dia a dia das crianças e adolescentes.
*Rita Melo – Terapeuta Cognitivo-Comportamental Crianças e Adolescentes, Psicomotricista, Psicóloga Escolar e Consultora em Desenvolvimento Infantil.