O artigo escrito por Bruno Couto desnuda a escola com suas mazelas. A polêmica começa pelo título: “Não desejo a escola para o pior dos meus inimigos, imagina para meus filhos.”
Trata-se de um professor, jovem por sinal, que analisa o papel da escola que teve e da escola na qual trabalha. Não se percebem mudanças. E por mais que queiramos defender a escola – no meu caso, passei a vida dentro dela – temos que admitir que algumas das afirmativas do texto chocam porque são reais. Aconteceram. Acontecem. Acontecerão certamente.
E se ele não deseja essa escola, haverá saída? Porque ele não se refere a uma determinada escola, mas à instituição escola.
Pois bem, já existe, e nem é tão recente assim, um movimento que se chama Homeschooling. O termo em inglês se justifica porque foi um movimento originário dos Estados Unidos, mas que já tem adeptos no Brasil, embora ainda timidamente.
Homeschooling é o nome dado à prática de educar os filhos dentro da própria casa, em vez de confiá-los às escolas públicas e/ou privadas. Dentre os motivos para tal, os mais frequentes são o baixo nível técnico das escolas, o despreparo docente, as questões religiosas (notadamente nos EUA) e as divergências ideológicas de todas as sortes.
Como funciona, na prática, o homeschooling?
Para tentarmos compreender como funciona, vamos deixar claro que se trata de uma experiência americana, permeada, portanto, por valores daquele país.
No Brasil pode-se dizer que é uma prática ainda embrionária porque a legislação brasileira não permite a educação domiciliar. Por enquanto, o que temos é o exemplo de uma corajosa família de Timóteo, MG, que decidiu que ela, e não o Estado, é que sabe o que é melhor para a educação de seus dois filhos de 14 e 15 anos. Recusaram-se a obrigar as crianças a irem à escola regularmente para aprenderem seguindo um currículo que o Estado determinou que seria adequado e do qual a família discordava.
A família sofreu perseguição implacável do Estado. Os burocratas da educação não poderiam admitir que a experiência fosse bem sucedida, que o individualismo e o mérito próprio fossem bem sucedidos. Assim, processaram criminalmente a família e ameaçaram até tomar a guarda dos adolescentes. Por fim, a Justiça decidiu que os dois meninos se submetessem a provas de conhecimentos gerais a fim de verificar se haveria abandono intelectual, ou seja, se deixaram de aprender coisas que o Estado julgava importantes.
Incansáveis, os pais corajosamente seguiram em frente, e aceitaram o desafio de submeter seus filhos a essas provas, as quais, é óbvio, foram elaboradas de maneira peculiarmente maliciosa pelos burocratas. Chegaram ao cúmulo de propor questões que exigiam conhecimento sobre teatro japonês e teoria das cores e pinturas, além de questões dissertativas sobre obras de arte de Pablo Picasso, Leonardo da Vinci e Claude Monet. Não satisfeitos, os burocratas também inventaram questões de educação física, as quais incluíam conhecimentos sobre a história do handball, basquete, futebol, atletismo e outros “esportes de alto rendimento”. Quando se sabe que esse conteúdo não é trabalhado nas escolas e muito menos cobrado nos vestibulares. E vale registrar que esses dois meninos foram aprovados no vestibular de Direito de uma universidade local, mostrando que o ensino domiciliar, se feito por uma família dedicada e apta, é capaz de colocar crianças em idade de sétima série dentro da universidade.
Esse relato de luta da família é instigante. Podemos afirmar que já houve progresso em relação ao homeschooling no Brasil. Existe uma associação – www.aned.org.br/portal/ – que se dedica à luta pela legalização do homeschooling no Brasil e, segundo dados desse ano, 2016, mais de 2000 famílias praticam a educação domiciliar hoje no Brasil.Presumidamente às voltas com aspectos judiciais.
Bem, a polêmica está lançada. Os defensores do homeschooling no Brasil radicalizam e afirmam:
”As famílias por comodismo, medo ou preguiça, preferem continuar mandando seus filhos para jaulas antissociais controladas pelo estado, popularmente conhecidas como escolas.”
Não acredito em tanta simplicidade, que baste apenas querer e ter o respaldo do Estado. Nem todos os pais estão preparados ou dispõem de tempo para se dedicarem a uma tarefa que é intrinsecamente exigente. Mas não rejeito a ideia a priori. Há muito que se indagar, há muito que se pesquisar, há muito que se conversar. Não, não é tão simples assim…
Nos Estados Unidos, o homeschooling é permitido nos 50 estados, sendo que, em alguns estados, as leis são mais favoráveis que em outros. Lá, existe uma avaliação que é feita através de testes padronizados, aplicados nas escolas e também aos estudantes oriundos do homeschooling. E lá existe o National Home Education Research Institute que regulamenta o homeschooling e acompanha o desempenho dos alunos, publicando relatórios que atestam repetidamente por todo o país que os alunos educados em casa pontuam tão bem quanto ou até melhor do que os oriundos de escolas convencionais.
Atualmente as famílias podem optar por comprar um currículo já montado por empresas que têm especificamente os homescholers como alvo. E há escolas voltadas para a educação on-line, como a K-12 que oferecem currículos na internet para os homeschoolers.
Como os homescholers interagem com seus pares? Socializam? Existem atividades externas programadas para eles – jogos desportivos (existem vários times de homescholers), programas de escotismo, serviços comunitários e outras atividades grupais. Registre-se que eles recorrem a grupos de apoio como meio de manter contato com famílias de ideias afins. Continuamos falando da experiência americana.
Quis pesquisar sobre o tema e compartilhar com os educadores que nos leem. Questionar a instituição escola é lícito e os questionamentos procedem. A alternativa de educação em casa, aqui no Brasil, ainda é embrionária e geradora de dúvidas para mim. No tempo em que trabalhei em escola – foram muitos anos – havia muitos pais que sequer acompanhavam as tarefas dos filhos em casa, não para fazer com eles, mas para revesti-las de maior importância.
Hoje vejo as creches com muitas crianças. Moro perto de uma e me espanta ver o número de carrinhos de bebê estacionados. Pais que trabalham o dia todo e precisam colocar seus filhos em creches de horário integral.
E estou tocando de leve nas questões, pensando apenas em quem pode matricular os filhos numa escola particular. Não me atrevo a ir muito além. Está aberta a questão que, acredito, é delicada e pouco conhecida. Acho válida a alternativa, só me pergunto que pais estariam preparados para tal empreendimento, tanto do ponto de vista do conhecimento quanto do emocional – a tarefa requer, entre outras coisas, uma boa dose de empatia, curiosidade, criatividade, resiliência, espírito investigativo, muita paciência… Se estamos optando pela educação em casa porque criticamos a educação que a escola oferece, temos que fazer melhor, com mais eficiência e eficácia, certo? Vamos discutir o tema já que a melhoria da escola é tema desgastado e sem solução aparente porque cada vez que o Estado mexe com a educação, altera a LDB, por consequência mexe com a escola e seus frágeis alicerces balançam.
Alzira Duncan
Pedagoga, especializada em planejamento escolar, consultora pedagógica do WOWL Education.