O que o restante da escola tem a aprender com o jardim de infância?

 

Luan Freitas

 

 

O jardim de infância talvez seja um dos estágios do desenvolvimento acadêmico mais desprezados. Para muitos, essa é a fase em que as crianças não estão aprendendo nada importante e, no fim das contas, tudo o que elas fazem é brincar. Mas a verdade não é bem essa.

Como falado no artigo anterior – “4 Pilares para começar a trabalhar a criatividade hoje” – há uma forte necessidade de se trabalhar a criatividade em sala de aula. Dentre os diversos motivos há o fato de que essa nova geração é a que tem visto no mundo mudanças nunca antes vistas. E para enfrentar os desafios ainda desconhecidos há a necessidade de se trabalhar na capacidade de serem cada vez mais criativos e inovadores.

Em uma cultura de ensino bastante conteudista, parece que toda a escola está bem desalinhada com relação ao desenvolvimento da criatividade, mas o setor que sobressai é exatamente o Jardim de Infância, o segmento de Educação Infantil.

Mas o que o tão desprezado jardim de infância tem feito para fomentar a criatividade?

Pára e pensa em uma sala de jardim de infância: de um lado um grupo de crianças tenta montar uma torre de madeira, do outro um outro conjunto de crianças trabalha pintura a mão. Nesse processo aparentemente tão simples, as crianças estão explorando ideias importantes como “o que faz uma torre ficar de pé ou cair?” ou “o que acontece quando as cores se misturam?”.

E assim, aparentemente de brincadeira, eles trabalham juntos, criam novas ideias, testam limites, pegam opiniões dos outros colegas. Tudo isso está totalmente alinhado com o processo do ensino criativo dos 4P’s.

Todos esse processo de trabalho do jardim de infância, desde à época em que foi criado por Friedrich Froebel em 1837, encontra muitas convergências com a abordagem construcionista de Seymour Papert. Para Papert, atividades que envolvem criações fornecem um contexto riquíssimo para a aprendizagem. E você pode estar criando qualquer coisa: um castelo de areia, um poema, uma nova receita na cozinha, uma casa no Minecraft ou um robô interativo. O importante é que você crie algo que tenha significado para você e para os outros.

E por que esse processo de criação é tão importante para a aprendizagem?

Ao criar algo você traz para o ambiente externo a construção da sua ideia. Isso permite que você analise o que é possível fazer, o que deu certo, o que deu errado e como fazer melhor da próxima vez. Além disso, ao ver a concretização dessa ideia, ela permite a geração de novas ideias, que por sua vez vão gerar novas criações, seguindo assim um ciclo contínuo.

Mas, se esse método é tão estimulante para o desenvolvimento da criatividade, por que ele não é utilizado nas outras etapas do sistema educacional?

O primeiro motivo é porque não há real interesse em desenvolver pensadores criativos, mas há um segundo motivo, a falta de tecnologias e mídias apropriadas.

 A construção usando blocos de madeira, a pintura a mão e outras atividades são pouco estimulantes e desafiadoras para os alunos mais velhos. Com isso a maior parte das escolas optou por trabalhar conteúdo mais complexos por meio de aulas tradicionais.

Para alguns pesquisadores de ensino criativo, como o Phd Mitchel Resnick, ao desenvolver tecnologias adequadas para esse propósito, essa lacuna pode ser preenchida. Logicamente a tecnologia por si só não é suficiente, a maneira como ela é utilizada também é essencial. E assim é possível continuar o ensino da criatividade ao longo do ciclo escolar, como já é feito no jardim de infância.

E hoje já podemos encontrar diversas tecnologias onde é possível realizar esse tipo de trabalho. Ao fazer um robô com LEGO Mindstorms, uma animação no Scratch, ou um carrinho com rodas e papelão e motores de Little Bits, esse espírito de criação e colaboração do jardim de infância continua vivo, além de trabalhar conceitos mais complexos como programação ou funcionamento de sensores.

Com tantas ferramentas disponíveis, sendo algumas delas gratuitas, somos capazes de trabalhar cada vez mais a criatividade em sala de aula. Agora só nos falta desenvolver a nossa disposição em fazer diferente, além de muito trabalho duro e, por que não dizer, liberar a criatividade.

 

 

Luan Freitas é engenheiro mecatrônico formado pela UNB, fundador da Ensino Maker e criador do curso online Scratch para professores. Atua como professor de robótica e programação para crianças e jovens em escolas e espaços livres como o Brasilia Fab Lab. Integra a equioe Play2Learn, treinando os integrantes da equipe e preparando material didático,